sexta-feira, 25 de março de 2011

Ficaí

 Se dessa vez for amor, eu juro, não vou deixar o melhor pro fim. Então, ficaí. Sentado, com os braços cruzados, sem falar nada muito diferente ou contar sobre algum plano futuro. Só ficaí. Pode ser com aquela cara de brabo que inexplicavelmente me deixa com um puta tesão desgraçado. Ficaí sem pensar em nada, em ninguém, sem lembrar da infância na praia ou alguma ex-namorada ainda obcecadamente nostálgica pela sua cara de brabo.

Ficaí no meu sofá, bufando mais um pouco, dando oxigênio pra minha esperança. Ficaí e me pede qualquer coisa, água, meus pés pra caminhar, mais um pacote de doritos, um strip-tease, em casamento. Não dê conselhos. Não tenha recordações. Não queira ir em festas. Não assista futebol. Não pergunte as horas. Não crie teorias a respeito de nós. Não lembre do seu afilhado. Não pense sobre onde está indo isso. Não ligue pra sua mãe. Não fale dos seus medos. Não ame mais ninguém.

Ficaí, só ficaí, estacado, eternizado, cristalizado, como num coma induzido, talvez a única coisa capaz de te fazer diferente de todos aqueles outros homens da minha vida que faleceram e me deixaram enterrada em seus lugares.

Não sinta fome de nada, além de mim. Confia em mim, sem comida você dura vinte dias. Ficaí. Sem beber, você demora uns quatro dias pra morrer. Relaxa, ficaí, porque sem amar você pode durar a vida inteira sem ter valido a pena. Ficaí enquanto vejo uma maneira de não jogar pela janela todo tipo de amor que vem até mim tão fácil. Porque apesar da sua cara de brabo, você é tão fácil, tão leve, tão solto, tão tudo que eu sempre quis quando me agrarra pelo braço, me pega pelos quadris, mastiga todo meu corpo e cospe fora somente minhas mentiras, carências e toxinas.

Não quero usar aquelas frases de diário de colégio e dizer que o tiver de ser, será. Mas se tem uma coisa que não desejo de jeito algum é que um determinado dia, você demore um pouco e enrole antes de dizer que cansou de tudo, do meu sofá, do meu frango com gengibre, do meu jeito de não ficar satisfeita quando fico satisfeita, da permanência das minhas mudanças e diz que já vai indo, alimentando meu asco por últimos olhares em portas de elevador.

Da cozinha eu te vejo sério e minha bronquite já se manifesta contrária à ausência do hálito do seu papo calmo, curioso e um pouco engraçado, então fico pensando no que mais posso te oferecer pra você ficar aí. Burra, eu devia ter lotado meus armários antes de entregar mais uma vez minha dolorosa vontade de ser dois. Procuro um jeito de te manter descontraído morrendo de pânico que você só esteja distraído, misturando ausência com um tanto de curiosidade.

Parece exagero, mas é que você, poxa vida, só você conseguiu pular o muro de dificuldades que levantei em volta de mim quando as palavras dor, saudade, ausência, falta e despedida fizeram de mim uma menina de lata. Você e seus cabelos escuros e sempre meio ensebados de vir da rua, seu abraço com cheiro de confiança e seus sorrisos nada comerciais. Eu, menina com os pés no chão e sem teto, acabei de decidir que levar um choque térmico, atravessando bruscamente pro lado quente da calçada. Conto contigo. Então, ficaí.

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