Essa cidade é um ovo, e algum dia eu tinha consciência de que aconteceria.  Na verdade, procurei entre olhares, personas e roupas parecidas, e  agradeci à cada festa que não senti tua presença. Orei pela sua  ausência, sendo franca. Ou fraca. Pedi que não visse teu rosto, sentisse  teu cheiro, ou escutasse tua voz - única. E descendo as escadas da  festa, eu vi. Aquilo que por meses ignorei, estremecendo a base sólida  que imaginei ter construído, e que me fez gelar por dentro. Aquele de  que durante dias à fio, não quis ver. O qual o verão me fez esquecer, o  outono nem pensar e no inverno, finalmente, encontrar. Querendo  desmentir que paixão antiga sempre mexe com a gente, decidi passar reto.  Opa, não vi. Sem querer, querendo. E quando você puxa o meu braço, e me  olha com aquela feição antiga, os olhos ternos de anos e anos, posso  ver cada um dos pelos do meu braço que se arrepiam, sentir os pinotes  que meu coração ensaia e paro no tempo. Fico sem ar, perdida no espaço,  solta na vida. Não sei o que me leva a agir com calma e complacência, e  ir caindo aos poucos assim, tola e frívola, na armadilha errante e  repetitiva, que é você no meu destino. Mas sei que cesso, e diante de  gente dançando e uma fila enorme para bebida, conversamos por todas as  semanas de silêncio e fuga, rimos das pessoas bizarras que cruzam nosso  caminho, e volto a me sentir bem ao teu lado, pedindo mentalmente que  isso demore a passar, ou se prolongue o máximo possível. A gente se  conhece tanto, e tão à fundo, que não surto e nem brigo, quando você  comenta a minha roupa. Ou discutimos, a minha antipatia - e a tua  falsidade. E concordamos que somos mesmo um pouco parecidos, meio  turrões e teimosos, antipáticos e superficiais, quando nos convém. Sem  admitir, ou dar o braço a torcer, como foi e ainda é. Eu com pouca  roupa, enquanto você me exibe camadas de moletom, lã e camisetas. Você, e  a sua habitual felicidade, o sorriso na cara de sempre, otimismo que  não tem fim; eu, e minha ansiedade, remexendo o colar de pérolas, ou  passando ainda mais batom. Oposto, e de outro ângulo, idênticos. Concluo  que senti falta dessa sua vivacidade, e você me diz que faço também  falta no teu dia-a-dia; mas nem tanto, pra não me deixar demasiadamente  confiante. Se te dissesse que sonhei com você, num pesadelo insône do  domingo passado, e te vi de longe logo na segunda-feira, e que levo fé  que o nome disse tudo não é coincidência, mas sim destino puro e  impróprio, talvez você gargalhasse de olhos fechados, como te vejo fazer  há anos, ou questionasse, toda essa minha crença e espiritualidade,  meus rituais e minha intuição, e começássemos algum debate filosófico  sobre qualquer outra coisa do mundo - menos sobre nós, e toda essa  situação sem pé nem cabeça, onde mergulhamos sem equipamento próprio.  Então, continuo parada ao seu lado, e danço um pouco, enquanto penso  como eu pude ficar longe da suas mãos maravilhosas, da sua alegria em  viver, e de toda essa loucura pra qual você me arrasta. E todos nos  vêem, nos notam, e sabem o quanto a gente fica eufóricos e radiantes  assim, apenas de estar paralelos um ao outro e se dar um apertão de  leve, um abraço sem jeito ou qualquer toque que aproxime, e não afaste.  Finjo não ouvir as vozes que me falam para sair, fugir e correr pra  longe - enquanto ainda é tempo, e o veneno ainda não me tomou totalmente  o corpo. Mas caio nessa arapuca, e quando você quase me beija, esquivo  apenas pra não ser assim tão fácil. Penso como quem se autosabota, mas  nem liga tanto assim: a carne não é mesmo fraca? Que seja então, o  coração vagabundo. Me faço de surda apenas para que você repita que me  quer, que o tempo parece não ter passado, e somos os mesmos: você, o  volúvel-inconsequente, e eu, a ansiosa-impulsiva. Não resisto por tempo  suficiente, e quando pega a minha mão, e me leva pro outro lado do  universo, vou; porque ainda é cedo, do futuro eu não sei nada, e minha  vontade é gulosa demais pra ser insatisfeita. Te beijo, e não satisfaço  apenas a minha alma, mas toda a minha dúvida e essa insanidade de querer  nota fiscal da felicidade; cobradora. Sabendo que, amanhã talvez você  nem se lembre, ou se recordar, será tão leviano e inevitável, que  fingiremos que nem aconteceu. Por  mais que também não seja amor, mas sim, todo esse mistério sem nome que  vem se arrastando por anos, e que por mim, já tinha fim decretado - com  direito à créditos no final, e nossos nomes em negrito, eu e você ainda  somos dois grandes protagonistas. Senão do drama, da vida. Ou dos dois,  na maioria exata das vezes. Mas  lembrando sempre: você é um refúgio bom de voltar, e agradeço à  estadia. Até a próxima, que talvez seja amanhã, ou nunca mais. Certeza,  apenas uma:  será surpresa.
 

 
 
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