segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

... e o coração é vagabundo

 Essa cidade é um ovo, e algum dia eu tinha consciência de que aconteceria. Na verdade, procurei entre olhares, personas e roupas parecidas, e agradeci à cada festa que não senti tua presença. Orei pela sua ausência, sendo franca. Ou fraca. Pedi que não visse teu rosto, sentisse teu cheiro, ou escutasse tua voz - única. E descendo as escadas da festa, eu vi. Aquilo que por meses ignorei, estremecendo a base sólida que imaginei ter construído, e que me fez gelar por dentro. Aquele de que durante dias à fio, não quis ver. O qual o verão me fez esquecer, o outono nem pensar e no inverno, finalmente, encontrar. Querendo desmentir que paixão antiga sempre mexe com a gente, decidi passar reto. Opa, não vi. Sem querer, querendo. E quando você puxa o meu braço, e me olha com aquela feição antiga, os olhos ternos de anos e anos, posso ver cada um dos pelos do meu braço que se arrepiam, sentir os pinotes que meu coração ensaia e paro no tempo. Fico sem ar, perdida no espaço, solta na vida. Não sei o que me leva a agir com calma e complacência, e ir caindo aos poucos assim, tola e frívola, na armadilha errante e repetitiva, que é você no meu destino. Mas sei que cesso, e diante de gente dançando e uma fila enorme para bebida, conversamos por todas as semanas de silêncio e fuga, rimos das pessoas bizarras que cruzam nosso caminho, e volto a me sentir bem ao teu lado, pedindo mentalmente que isso demore a passar, ou se prolongue o máximo possível. A gente se conhece tanto, e tão à fundo, que não surto e nem brigo, quando você comenta a minha roupa. Ou discutimos, a minha antipatia - e a tua falsidade. E concordamos que somos mesmo um pouco parecidos, meio turrões e teimosos, antipáticos e superficiais, quando nos convém. Sem admitir, ou dar o braço a torcer, como foi e ainda é. Eu com pouca roupa, enquanto você me exibe camadas de moletom, lã e camisetas. Você, e a sua habitual felicidade, o sorriso na cara de sempre, otimismo que não tem fim; eu, e minha ansiedade, remexendo o colar de pérolas, ou passando ainda mais batom. Oposto, e de outro ângulo, idênticos. Concluo que senti falta dessa sua vivacidade, e você me diz que faço também falta no teu dia-a-dia; mas nem tanto, pra não me deixar demasiadamente confiante. Se te dissesse que sonhei com você, num pesadelo insône do domingo passado, e te vi de longe logo na segunda-feira, e que levo fé que o nome disse tudo não é coincidência, mas sim destino puro e impróprio, talvez você gargalhasse de olhos fechados, como te vejo fazer há anos, ou questionasse, toda essa minha crença e espiritualidade, meus rituais e minha intuição, e começássemos algum debate filosófico sobre qualquer outra coisa do mundo - menos sobre nós, e toda essa situação sem pé nem cabeça, onde mergulhamos sem equipamento próprio. Então, continuo parada ao seu lado, e danço um pouco, enquanto penso como eu pude ficar longe da suas mãos maravilhosas, da sua alegria em viver, e de toda essa loucura pra qual você me arrasta. E todos nos vêem, nos notam, e sabem o quanto a gente fica eufóricos e radiantes assim, apenas de estar paralelos um ao outro e se dar um apertão de leve, um abraço sem jeito ou qualquer toque que aproxime, e não afaste. Finjo não ouvir as vozes que me falam para sair, fugir e correr pra longe - enquanto ainda é tempo, e o veneno ainda não me tomou totalmente o corpo. Mas caio nessa arapuca, e quando você quase me beija, esquivo apenas pra não ser assim tão fácil. Penso como quem se autosabota, mas nem liga tanto assim: a carne não é mesmo fraca? Que seja então, o coração vagabundo. Me faço de surda apenas para que você repita que me quer, que o tempo parece não ter passado, e somos os mesmos: você, o volúvel-inconsequente, e eu, a ansiosa-impulsiva. Não resisto por tempo suficiente, e quando pega a minha mão, e me leva pro outro lado do universo, vou; porque ainda é cedo, do futuro eu não sei nada, e minha vontade é gulosa demais pra ser insatisfeita. Te beijo, e não satisfaço apenas a minha alma, mas toda a minha dúvida e essa insanidade de querer nota fiscal da felicidade; cobradora. Sabendo que, amanhã talvez você nem se lembre, ou se recordar, será tão leviano e inevitável, que fingiremos que nem aconteceu. Por mais que também não seja amor, mas sim, todo esse mistério sem nome que vem se arrastando por anos, e que por mim, já tinha fim decretado - com direito à créditos no final, e nossos nomes em negrito, eu e você ainda somos dois grandes protagonistas. Senão do drama, da vida. Ou dos dois, na maioria exata das vezes. Mas lembrando sempre: você é um refúgio bom de voltar, e agradeço à estadia. Até a próxima, que talvez seja amanhã, ou nunca mais. Certeza, apenas uma:  será surpresa.


Nenhum comentário:

Postar um comentário