Não sou mulher de rosas. Já disse de saída, no primeiro encontro, nem  recordo a razão. Mas disse, naquele meu velho estilo metralhador de  moços com olhos de promessa. Sei que disse, com meus reflexos ariscos de  cão sem dono sempre buscando receosa a moeda de troca para qualquer  elogio, a vigésima quarta intenção por trás de um rosto abandonado. Eu  não queria ser mais uma na sua cama, por isso disse não gostar de rosas,  tampouco das vermelhas, pra me afastar da obviedade do amor. Não sabia  como, mas queria que você me notasse diferente de todas as outras.
E quando chegou o menino, com um chinelo de dedo verde e o outro pé com  cor divergente e a tira desgastada, por entre as mesas cheias de casais  que há tempos conjugavam suas relações com pronomes plurais e fofinhos,  agarrado no balde vermelho transbordando rosas apaixonadas, bem, eu  tremi as mãos e descobri o quanto era difícil engolir um escalope de  alcatra, mesmo ao molho de vinho tinto.
E o menino pra você "esta linda morena não merece rosas vermelhas?". E  você pro menino "não, obrigado". E levando mais um garfaço de escalope à  boca, que bem podia perder o rumo e perfurar sua garganta, vai que por  ali esguichasse alguma sensibilidade. E enquanto você sorria irônico  dizendo "que bom que você não é mulher de rosas porque eu não  desembolsaria cinco reais num troço que morrerá amanhã", eu só pensava  que sua resposta correta pro menino sujinho com olhos bolivianos e  famintos seria "sim, ela merece rosas, todas as rosas de todos os  jardins botânicos da face terrestre, mas não, obrigado". Mas poderia ter  sido pior, você poderia ter perguntado se o bolivianinho tinha fome,  coisa que traria uma certeza obsessiva de que meu filho deveria nascer  com sua barba cerrada recheando a covinha do queixo de qualquer maneira.
Clichês de amor são como venenos pra minha ingenuidade. Taí meu motivo  de desconversar sobre rosas vermelhas, não importa se custam cinco ou  mil reais ou morrem amanhã ou nunca mais. Rosas ou qualquer outra porra  de amor, um livro, uma ligação, uma música, uma metáfora que o fizesse  lembrar de mim ao menos concretariam meu chão, que quanto mais  escorregadio, mais irresistível ficava grudar em você. Amar é um pouco  fingir, por isso fiz tanta questão de dizer que sua mão sufocava a minha  ou que não fazia seu tipo de mulher ou que não tava nem aí se você  subisse pra um café na cama.
Mesmo assim, hoje senti uma puta falta sua, da sua pontualidade física,  de todo bem que aquele maldito furinho no queixo me faz quando chegam  juntos os fios de dois ou três dias. Eu não sei se rosas vermelhas ou  qualquer metáfora que leio em livros-mulherzinha podem resumir o amor,  mas quando penso em amor, vejo que ele deve ser transformador. Depois de  você, eu mudei, isso é fato e como aconteceu ou quanto durou, não  importa. Você pode seguir do outro lado da cidade sem me ligar e eu  ficar aqui, arrastando o sofá até a porta pra que você não possa voltar.  Mas agora tanto faz, as rosas morrem mesmo sem dedicar cinco reais ou  sua vida inteira.
A grande ironia disso tudo é que continuo tentando pensar no amor como  metáforas cheias de flores ou ausentes delas, lendo filósofos e poetas  capazes de defini-los. Bem ou mal, eu vivo com ou sem você, mas o grande  inconveniente é que o amor não pode ser medido sem os assobios  irritantes enquanto você fazia xixi de porta aberta ou ficava horas  fazendo coisas no seu maldito computador, ouvindo Morrissey ou Marvin  Gaye. Se você vai, o amor vai junto e tudo volta a ser como era antes.  Com ou sem rosas vermelhas, a presença é a obviedade do amor.
 

 
 
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